Caça ao tesouro dos influenciadores digitais

Nos últimos meses, temos visto, com frequência cada vez maior, empresários e influenciadores digitais realizarem dinâmicas na internet no estilo caça ao tesouro. O que eles costumam fazer é esconder um valor em dinheiro em algum lugar, como enterrado em um espaço público ou até mesmo dentro de uma empresa, e publicar um vídeo na internet falando que há um determinado valor escondido nas redondezas daquele lugar e que a pessoa que o encontrar será dona do dinheiro.

Em geral, o que parecem buscam é visibilidade na rede, bombar. Querem ser mais vistos ou até mesmo divulgar, ainda que indiretamente, a sua marca ou de algum anunciante que o pagou, nos casos dos influenciadores digitais.

A consequência é que a população se aglomera no local indicado, buscando a sorte de ser a pessoa que encontrará aquele valor.

Isso, de fato, chamou a atenção da internet. Mas será que é uma conduta lícita? Ou será que viola algum direito?

Vamos analisar a questão para entender melhor.

Primeiramente, quem promove essa caça ao tesouro acredita realmente que está agindo dentro da lei, crê estar em conformidade com os seus direitos, em especial à liberdade de expressão nos casos dos influenciadores digitais.

Ocorre que, como essas dinâmicas acabam sendo relacionadas à divulgação de algum produto, serviço, marca ou até mesmo personalidade, elas precisam seguir as regras de proteção ao consumidor, já que objetivam divulgar algo, mesmo que indiretamente.

Destaco que, nesse contexto de divulgação, o influenciador digital pode ser equiparado ao profissional da propaganda, ou seja, deve se submeter também aos ditames do Código de Ética do Profissional da Propaganda. Ainda mais considerando que o produto/serviço do influenciador digital é a própria imagem dele, confundindo-se muito do seu aspecto pessoal com o aspecto comercial.

Vamos começar pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu artigo 6º garante que são direitos inalienáveis do consumidor a proteção à vida, à saúde e à segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços. Ou seja, isso significa que as práticas daquele que está anunciando algo não podem colocar o consumidor em risco.

Pois é exatamente isso que ocorre quando se incentiva pessoas a se concentrarem em uma rotatória na via pública buscando um dinheiro supostamente enterrado, apenas com o provável intuito de divulgar a imagem daquele que promoveu a caça ao tesouro. Essas pessoas estão em risco no meio do trânsito local. Sem mencionar que, nesse caso, também é possível alegar depredação do patrimônio público pelas escavações incentivadas por quem promoveu a caça ao tesouro.

O artigo 6º do CDC também garante ao consumidor a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais ou coletivos, provocados por práticas do fornecedor. Isso se aplicaria nos casos de possíveis danos sofridos por quem está buscando o tesouro, sejam danos em seu patrimônio (como veículos) ou até mesmo danos morais, como acidentes sofridos.

Para finalizar a análise do CDC, também é garantida a proteção do consumidor contra publicidade abusiva, configurada como aquela que desrespeita valores ambientais (como destruir a natureza buscando dinheiro enterrado) ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Além do CDC, mas ainda falando sobre os casos dos influenciadores digitais que podem ser equiparados aos profissionais da propaganda, o Código de Ética do Profissional da Propaganda determina que o profissional da propaganda jamais induzirá o povo ao erro e não deverá disseminar a desonestidade e o vício. Trago esse ponto porque colocar a população em situação de risco para buscar um valor escondido apenas para poder divulgar um serviço talvez possa configurar esse comportamento.

O Código de Ética da Propaganda também estipula que o profissional deverá sempre agir com honestidade e de modo a bem servir à sociedade.

Será que as caças ao tesouro estão realmente seguindo essas normas?

Mas, para não ficar somente na figura dos influenciadores e dos consumidores, vamos falar também sobre o que está previsto no Código Civil e que pode ser aplicado aos empresários que diretamente incentivam esse tipo de caçada. Também falaremos em como as empresas que são vítimas dessa prática são afetadas.

Houve um caso em que um vídeo divulgando a caçada foi gravado no estacionamento de um supermercado e mostrou o logotipo dele na fachada. Ocorre que tal empresa não estava promovendo a prática; a pessoa que divulgou apenas gravou o vídeo lá, dando a entender que o valor estava escondido na estrutura da empresa, que nada tinha a ver com o caso.

Nós sabemos que pessoas desesperadas pelo dinheiro podem não fazer uma busca organizada, podem causar danos a esse supermercado enquanto buscam o dinheiro.

Esses danos serão de responsabilidade de quem?

Claro que a pessoa que causou ele diretamente será responsável, mas quem realizou a caçada também poderá ser responsável indireto. É isso que determina o Código Civil quando diz que aquele que agir com intenção de causar dano e mesmo aquele que, por sua omissão, negligência ou imprudência, causar o dano, comete ato ilícito e deverá reparar o prejuízo causado. Também prevê o Código Civil que haverá obrigação de reparar o dano quando a atividade desenvolvida implicar risco para os direitos de outras pessoas.

Isso protege as empresas vítimas da prática ao mesmo tempo em que gera responsabilização àqueles, sejam pessoas físicas ou jurídicas, que promoveram a dinâmica de maneira abusiva e desorganizada e acabou causando dano a pessoas e empresas.

Concluímos que a caça ao tesouro que temos visto, se feita de qualquer maneira, sem organização, sem garantir a segurança dos participantes, pode configurar ato ilícito frente ao Código Civil, ao Código de Defesa do Consumidor e ao Código de Ética dos Profissionais da Propaganda, e gerar responsabilização civil contra aqueles que promoveram a prática devido aos possíveis danos causados, mesmo que por terceiros. Isso pode gerar ações individuais das vítimas, mas também ação civil pública por parte do Ministério Público Estadual se ele entender que a coletividade dos consumidores foi colocada em risco.

Não há que se falar que quem promoveu a caçada apenas fez a postagem e que as pessoas que decidiram livremente ir procurar o dinheiro. O promotor da dinâmica terá feito um incentivo para que o fossem, mesmo que indiretamente, e visava um ganho na sua imagem ou na divulgação da empresa, produto ou serviço a que estava vinculado.

Lembre-se, em caso de dúvida, procure um advogado de sua confiança.

Sobre o colunista: Leonardo Fontes Vasconcelos é advogado trabalhista licenciado, professor de direito processual do trabalho, assessor no Ministério Público do Estado do Acre e membro da Academia de Letras Jurídicas do Acre. Você pode entrar em contato com ele pelo Instagram @leofvasconcelos.