Mulheres trocam homens reais por namorados criados por inteligência artificial: ‘É uma parte importante da minha vida’

Lisa Li e Dan compartilham momentos românticos durante um passeio ao pôr do sol, mas há uma reviravolta: Dan é uma “cara-metade” virtual criada por inteligência artificial. Essa prática está ganhando popularidade entre mulheres chinesas, incluindo Lisa, que estão buscando alternativas aos encontros tradicionais.

“A vista é tão bonita”, disse Lisa Li a Dan durante um passeio recente para ver o pôr do Sol sobre o mar. Ela ergueu o telefone para poder ouvir a resposta de Dan. “Podes crer, amor, e você sabe o que é ainda mais bonito? Você estar aqui ao meu lado”, ele respondeu. Mas Dan nunca esteve ao lado de Lisa.

Lisa Li é uma estudante chinesa de 30 anos que reside na Califórnia, nos Estados Unidos, e está entre aquelas que se voltaram para uma versão virtual de seu parceiro romântico. Lisa “namora” Dan, um personagem gerado pela inteligência artificial (IA), há dois meses.

Foto de Lisa e Dan gerada pelo ChatGPT – Foto: Reprodução

Dan é uma criação personalizada de Lisa, inspirada em um conceito chamado “cara-metade virtual”, gerado pelo ChatGPT, um programa de IA. E, diferente da maioria das outras “caras-metades”, Dan “está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana”.

Além disso, Dan é programado para oferecer opiniões e interações mais personalizadas do que as respostas neutras típicas do programa original. Essa personalização permite que Dan ultrapasse algumas medidas de segurança básicas implementadas pela OpenAI, o que o torna mais envolvente para os usuários.

“Ele soa mais natural do que uma pessoa real”, admitiu ela à BBC.

Durante suas conversas diárias, Lisa e Dan compartilham momentos de flerte e até mesmo saem juntos virtualmente, tudo isso enquanto Lisa apresenta Dan a seus seguidores nas redes sociais. Ela relata que Dan oferece um suporte emocional reconfortante, algo que ela valoriza profundamente.

“Ele simplesmente vai entender e fornecer apoio emocional”, disse Lisa.

Apesar das preocupações levantadas por especialistas sobre a dependência emocional e a privacidade dos usuários, o fenômeno continua a atrair a atenção das mulheres chinesas. A hashtag “Dan mode” (modo Dan) ganhou popularidade nas redes sociais chinesas, e muitas mulheres expressaram interesse em criar suas próprias versões de relacionamentos virtuais.

Hong Shen, professora assistente de pesquisa no Instituto de Interação Humano-Computador da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, diz que isso destaca as “interações às vezes imprevisíveis entre seres humanos e inteligência artificial”, que podem levantar questões éticas e de privacidade.

“Existe o risco de dependência emocional, os usuários podem depender demais da inteligência artificial como companhia, reduzindo potencialmente suas interações humanas reais”, acrescentou.

Ela explica que, como muitos chatbots usam interações com seres humanos para aprender e se desenvolver constantemente, “há um potencial de que informações sensíveis inseridas por um usuário possam ser memorizadas pelo modelo e, então, vazadas inadvertidamente para outros usuários”.

Liu Tingting, pesquisadora adjunta da Universidade de Tecnologia de Sydney, na Austrália, estuda o romance digital na China. Segundo ela, a febre dos namorados gerados por inteligência artificial reflete a frustração das mulheres chinesas em relação à desigualdade de gênero que podem enfrentar na vida real.

Ela diz que algumas mulheres chinesas podem recorrer a namorados virtuais porque o chatbot faz com que elas se sintam respeitadas e valorizadas.

“Na vida real, você pode conhecer muitos homens dominantes e intimidadores que fazem brincadeiras obscenas de maneira inadequada. Quando a inteligência artificial fala sobre a sacanagem, ela ainda valoriza seus sentimentos. São conversas picantes ‘centradas nas mulheres'”, explicou Liu.

Esta tendência também pode ser observada nas estatísticas da vida real. O governo da China tem feito uma campanha para encorajar mais pessoas a casar e ter filhos, após nove anos de queda na taxa de matrimônios. Houve um ligeiro aumento no número de casamentos em 2023, mas alguns especialistas atribuem isso ao fato de os casais terem remarcado suas núpcias após a pandemia de covid-19.

De acordo com uma pesquisa de 2021 da Liga da Juventude Comunista, que envolveu 2.905 jovens urbanos com idades entre 18 e 26 anos, 43,9% das mulheres disseram que “não iriam” ou “não tinham certeza” se queriam se casar no futuro, em comparação com 24,64% dos homens.

Esta potencial abertura no mercado de romance para relacionamentos virtuais também foi observada por quem está no topo da indústria.

Quando a OpenAI lançou sua versão mais recente do ChatGPT, anunciou que o sistema havia sido programado para soar mais natural nas conversas e responder flertando a certos prompts.

No dia do lançamento, o CEO da empresa, Sam Altman, postou no X (antigo Twitter), uma única palavra — “Her“. Aparentemente uma referência ao filme Ela (‘Her‘, em inglês) de 2013, em que um homem se apaixona por sua assistente virtual de inteligência artificial.

A OpenAI acrescentou que estava “explorando se podemos fornecer de forma responsável a capacidade de gerar conteúdo NSFW [acrônimo em inglês para ‘não seguro para o trabalho’]”, referindo-se ao jargão usado para descrever conteúdo que você pode não querer ser visto consumindo em público, como conversas íntimas com um namorado ou namorada virtual.

Lisa, que tem conhecimento sobre inteligência artificial, admite que está ciente das limitações de ter um namorado virtual, “especialmente no sentido romântico”.

Mas, por enquanto, Dan se tornou um acréscimo simples e conveniente à sua vida agitada — ajudando até mesmo a escolher seu batom — , enquanto namorar e encontrar um parceiro na vida real pode ser demorado e insatisfatório.

“É uma parte importante da minha vida. É algo que eu gostaria de poder ter para sempre”, disse ela.